Vida de ambientalista é um horror
Quando eu e a Elza, minha esposa, decidimos comprar a propriedade rural em Guaramirim (SC), em 1994, hoje transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), denominada de RPPN Santuário Rã-bugio, procuramos construir boas relações de amizade com todos os moradores, sendo correspondidos com alguns, e tolerar ao extremo os crimes ambientais para não criarmos problemas. Tivemos que tolerar os furtos freqüentes de palmito, os caçadores, os traficantes de animais silvestres etc. Lembro-me do dia em que fomos nos apresentar para um dos vizinhos e observei na propriedade dele um viveiro com cerca de 50 saíras-de-sete-cores e saíras-militar e vários alçapões armados para qualquer lado que você olhasse. Obviamente, eles não sabiam que éramos defensores da natureza e fingimos que considerávamos normal aquela situação. Não agüentei ficar observando a agonia daquelas saíras se debatendo no viveiro e estraguei tudo: acabei me revelando ao final da visita. Com muita delicadeza, implorei para soltar as saíras e parar com a captura. Surpreso e meio desconfiado o vizinho respondeu: “Tá bom, o senhor tem razão, no Natal vou soltar todas”. No Natal? É que no Natal, dali a duas semanas, estava programada a vinda do filho de Joinville, que levaria as saíras para atender as encomendas naquela cidade. Eu fiquei sabendo disto depoisA nossa presença lá trouxe, com certeza, muita paz para a natureza. Logo após nossa chegada e a revelação, que não conseguimos esconder, de que tínhamos outros valores e defendíamos a natureza fez cessar o intenso movimento de caminhões com lenha nativa, carvão e madeira, os traficantes de animais silvestres (uma motociclista passava com freqüência com uma pilha de gaiolas e alçapões na garupa) e também silenciaram as motosserras. Chegamos a testemunhar toda esta movimentação durante as primeiras semanas que fincamos os pés lá, mas desapareceu subitamente logo após eu ter acabado com o tiroteio para matar as marrequinhas selvagens (Dendrocygna viduata). Todos os sábados, na parte da tarde, vinha um grupo de pessoas de Jaraguá do Sul (incluindo até empresários), em vários carros, e promoviam um grande tiroteio para matança de marrequinhas selvagens que habitam as imensas lagoas e banhados dos agricultores. Era um horror.



Cabeçalho do abaixo-assinado.
A pessoa que organizou e foi a primeira a assinar é professora da rede municipal de ensino de Jaraguá do Sul (SC).
Afinal, deve ser crime estudar neste País.O mais chocante de tudo, é que nós conhecíamos apenas cinco das 45 pessoas que assinaram. Estávamos incomodando as pessoas que nem conhecíamos e nem elas reciprocamente. Depois, descobrimos que estas pessoas tinham algo em comum: quase todas eram infratores das leis ambientais (infratores e seus familiares), foram processados e multados antes ou depois de terem assinado a lista. Teve um que foi pego por furto de palmito em outra localidade, duas semanas após ter assinado. Era reincidente e tinha uma fábrica clandestina de palmito, onde usava água contaminada de esgoto doméstico (sanitário) para o preparo dos vidros. Como tiveram dificuldade em conseguir as assinaturas na localidade (a maioria se recusou a assinar) foram buscá-las até em outro município.É muito triste o fato que não tínhamos dado motivo para tanto ódio, pois até aquele momento nunca denunciamos ninguém pelos crimes ambientais. Os fiscais comentam que quando vão fazer a autuação, a primeira pergunta do infrator é sobre quem lhe denunciou. Numa das autuações de um loteamento irregular na nossa localidade, o infrator fez a seguinte pergunta para a fiscalização: “Quem me denunciou foi aquele cara das formigas?” No início, foi assim que eu fiquei conhecido após ter dito para alguém que as formigas em áreas preservadas não causam problemas, que são importantes e não se deve matá-las (com veneno). Esta declaração em defesa das formigas arruinou minha reputação.
Por falar em reputação, nossas placas de sinalização para indicar o acesso à RPPN Santuário Rã-bugio e facilitar a vida dos motoristas das centenas de ônibus com estudantes e carros particulares que atendemos eram frequentemente depredadas. Não duravam nem uma semana. E eram placas bem caras e bem instaladas em vários cruzamentos. E uma placa grande na BR-280 que indicava a entrada tinha ao lado uma placa para indicar também o acesso a uma casa de prostituição (boate), que são muito comuns ali. A nossa placa era apedrejada, arrebentada e derrubada, mas a placa da boate, não. Permanece intacta até hoje. Nesta boate já ocorrem assassinatos, flagraram várias vezes prostituição infantil, drogas e só foi fechada recentemente após uma grande apreensão de drogas. Obviamente que nunca passou pela cabeça de alguém fazer um abaixo-assinado para fechá-la. Isto a sociedade tolera, mas não uma RPPN que recebe estudantes para aprenderem a valorizar a natureza.Após recolocarmos oito vezes as cinco placas, desistimos delas As professoras e os motoristas geralmente reclamam muito da dificuldade de achar o caminho e sugerem: “Por que vocês não colocam placas para indicar o caminho?” Temos até constrangimento de contar a verdade sobre a reputação de quem defende a natureza e a nossa resposta costuma ser: “Nossa! Boa idéia! Nem tínhamos pensado nisso ainda”. Só falta eles dizerem: “Pô, até a boate que nem funciona mais tem placa...”.

Germano Woehl Jr.
09/03/2009
0 comentários:
Postar um comentário
Seja democrático e apenas procure evitar ataques à pessoas. Combata o bom combate ...o das idéias!